quarta-feira, 30 de março de 2011

Palavras soltas



Hoje trago um livro que me fez chorar mesmo: " Cão como nós", de Manuel Alegre. Se calhar muitos desconhecem que Manuel Alegre não é apenas um político. É, a meu ver, um excelente escritor que sabe como envolver as relações e os sentimentos na escrita. Fala com a alma que por sua vez toca na nossa. Ao ler este livro vivi cada descrição como se estivesse lá e não consegui não chorar. Atrevam-se. Leiam o livro. Deixo-vos com um excerto:

“- Será que o cão tem espírito?, perguntou-me o filho do meio.

Olhei para ele surpreendido. E acabei por responder:
- Não sei sequer se nós próprios temos espírito ou se é o espírito que nos tem ou está em nós.

- É isso o que eu queria dizer. Olha para ele.

Era um fim de tarde de Agosto, o cão estava parado frente ao mar, o pêlo muito luzidio, a cabeça levantada, narinas abertas, sorvendo o ar.

- Ele está a cheirar o espírito. O espírito da terra, o espírito do vento, o espírito das águas.”

“Não era um cão como os outros. Era um cão rebelde, caprichoso, desobediente, mas um de nós, o nosso cão, ou mais que o nosso cão, um cão que não queria ser cão e era cão como nós.”

“Alguém falou da tristeza e do vazio do olhar dos animais. Vi a tristeza, em certos momentos, no olhar do cão. A tristeza de quem quer chegar à palavra e não consegue. Mas não vi o vazio. O vazio está talvez nos nossos olhos. Quando por vezes nos perdemos dentro de nós mesmos. Ou quando buscamos um sentido e não achamos.O cão sabia o sentido, o seu sentido. E nunca se perdia.”

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